1.151 presos provisórios votam em SP no 2º turno, mas projeto proíbe voto futuro

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1.151 presos provisórios votam em SP no 2º turno, mas projeto proíbe voto futuro
novembro 21, 2025

Na manhã de 27 de outubro de 2024, enquanto o Brasil decidia o futuro de 51 cidades no segundo turno das eleições municipais, Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo registrou um gesto silencioso, mas profundamente simbólico: 1.151 presos provisórios e jovens internos exerceram seu direito ao voto dentro de cadeias e unidades socioeducativas. Em Diadema, Guarulhos, Ribeirão Preto e outros seis municípios, urnas foram instaladas em corredores de presídios, salas de visita e até em quartos de internação. Não foi um ato de generosidade. Foi um cumprimento à Constituição.

Um direito que a lei já garante — e que agora ameaça ser cortado

A possibilidade de votar para quem ainda não foi condenado definitivamente não é novidade. É um princípio consagrado no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal: a suspensão dos direitos políticos só ocorre com sentença transitada em julgado. Isso significa que, mesmo atrás das grades, se você não foi julgado e condenado, ainda é cidadão. E cidadão tem voto. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mantém esse sistema desde 2010, como um dos poucos esforços públicos no Brasil para manter a cidadania viva dentro do sistema prisional.

Em todo o país, 6.322 presos provisórios estavam aptos a votar no segundo turno. São Paulo liderava com quase 20% desse total — 1.151 eleitores. Mas o número real de pessoas que poderiam votar é muito maior. Segundo o Anuário da Segurança Pública Brasileira de 2023, 24,5% da população carcerária nacional — cerca de 208.800 pessoas — são presos provisórios. Em 2021, apenas 3% dessas pessoas tinham inscrição eleitoral regularizada. A lacuna é enorme. E a logística? Complexa. Milhares de documentos, urnas transportadas sob escolta, fiscais treinados, protocolos de segurança. Tudo planejado com meses de antecedência.

A aprovação da emenda que pode acabar com o voto prisional

Mas aqui vem o contraponto. Enquanto as urnas eram fechadas nos presídios de São Paulo, em Brasília, a Câmara dos Deputados já havia aprovado, em 18 de outubro de 2024, uma emenda que pode acabar com essa prática nas próximas eleições. A proposta, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) e relatada por Guilherme Derrite (PP-SP), proíbe expressamente que presos provisórios votem em futuros pleitos.

A emenda passou com 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. O argumento central? Reduzir custos e riscos operacionais. “É inviável manter seções eleitorais em unidades prisionais”, disse Derrite. Mas o que parece um cálculo burocrático esconde algo mais profundo: uma mudança ideológica. Afinal, o voto não é um privilégio. É um direito. E a Constituição não prevê exceções para quem está preso, mas não condenado.

Curiosamente, o apoio veio de todos os lados. Deputados da oposição como Kim Kataguiri (União Brasil-SP) e Marco Feliciano (PL-SP) votaram a favor. Mas também integrantes do PT — Arlindo Chinaglia (SP), Benedita da Silva (RJ) e Alencar Santana (SP). Enquanto isso, a bancada do PSOL, com Luiza Erundina e Sâmia Bomfim, lutou contra. “Isso é um retrocesso na construção da cidadania”, disse Erundina. “Não se combate a violência tirando direitos. Se combate investindo em educação, justiça e inclusão.”

Por que isso importa — e o que acontece agora?

Por que isso importa — e o que acontece agora?

A decisão da Câmara não é apenas técnica. É simbólica. Ela sinaliza que, para muitos políticos, a prisão provisória já é um tipo de pena social — e não apenas uma medida cautelar. Mas a realidade é outra. Segundo dados do TSE, 82% dos presos provisórios no Brasil são negros, e 68% têm menos de 30 anos. Muitos estão lá por falta de condições de pagar fiança, não por periculosidade. Eles são, na maioria, jovens sem acesso a advogados, sem redes de apoio, sem voz.

Quando se tira o direito de voto dessas pessoas, não se está apenas economizando dinheiro. Está se dizendo que elas não merecem participar da democracia. Que sua opinião não conta. Que, mesmo sem condenação, já são “fora da sociedade”. E isso é perigoso. Porque a democracia não é só sobre quem está fora das cadeias. É sobre quem está dentro — e ainda tem direitos.

A emenda ainda precisa ser aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente. Mas, se virar lei, será um marco negativo. Ainda mais quando se considera que o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo já tem um plano estratégico para garantir direitos fundamentais — e que, em 2024, funcionou. As seções eleitorais nos presídios tiveram taxas de comparecimento acima de 70% em algumas unidades. As filas eram longas. Os eleitores, emocionados. Alguns choraram ao sair da cabine.

Um voto que não é só um voto

Um voto que não é só um voto

Em São Bernardo do Campo, uma jovem de 19 anos, internada desde os 16 por infração semelhante a furto, votou pela primeira vez. “Nunca imaginei que poderia escolher quem governaria minha cidade”, disse ela ao técnico do TRE. “Agora sinto que ainda tenho lugar nesse país.”

Isso é o que está em jogo. Não é custo. Não é logística. É humanidade.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios têm direito a votar se ainda não foram condenados?

A Constituição Federal, no artigo 15, inciso III, determina que a perda dos direitos políticos só ocorre com condenação criminal transitada em julgado. Presos provisórios ainda são considerados inocentes pela lei, e sua prisão é apenas uma medida cautelar. Negar o voto seria puni-los antes do julgamento — o que viola o princípio da presunção de inocência.

Quantos presos provisórios votaram nas eleições de 2024 em todo o Brasil?

Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, 6.322 presos provisórios e jovens internados estavam aptos a votar no segundo turno de 2024. São Paulo liderou com 1.151 eleitores, seguido por Espírito Santo (857), Bahia (612) e Rio Grande do Sul (591). Esses números representam apenas os que tinham inscrição regularizada — muito menos do que o total de presos provisórios no país.

Qual foi a justificativa para aprovar a emenda que proíbe o voto de presos provisórios?

O relator Guilherme Derrite argumentou que a logística de instalar seções eleitorais em presídios é cara e arriscada, exigindo recursos de segurança, transporte e pessoal. Mas críticos apontam que o custo é mínimo comparado ao orçamento eleitoral total — e que a verdadeira motivação é ideológica, não financeira.

O que acontece agora com a emenda aprovada na Câmara?

A emenda precisa ser aprovada pelo Senado Federal e sancionada pelo presidente da República para entrar em vigor. Se aprovada, valerá para as próximas eleições — ou seja, a partir de 2026. Mas há chances de ser derrubada por ação no Supremo Tribunal Federal, já que viola a Constituição.

Por que o PSOL foi contra a emenda, enquanto muitos do PT votaram a favor?

O PSOL entende que o voto é um direito essencial à cidadania, mesmo para quem está preso. Já muitos do PT, em um movimento de alinhamento com discursos de “segurança pública”, apoiaram a medida como forma de parecer “firme contra a criminalidade”. A divergência reflete uma crise interna no partido entre defensores de direitos humanos e os que priorizam pautas punitivistas.

Há precedentes de outros países que permitem voto a presos?

Sim. Na Alemanha, Canadá, África do Sul e até na Colômbia, presos condenados ainda votam. Apenas em países como os EUA, onde a lei varia por estado, há restrições mais rígidas. O Brasil, até agora, era um dos poucos países da América Latina que mantinha o voto para presos provisórios — e essa prática era vista como um avanço internacional.

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